quarta-feira, 28 de abril de 2010

A BUSCA DE SILVIO ROMERO POR UMA ESSÊNCIA BRASILEIRA SOB A PERSPECTIVA DE SCHNEIDER

A obra de Schneider, “Silvio Romero: Hermeneuta do Brasil”, tenta compreender o pensamento de Silvio Romero dentro do contexto de modernização em que o Brasil estava inserido, ou seja, apagando as características ibéricas para se transformar em republicano. No mesmo contexto, o Brasil estava sob influência dos efeitos do Século das Luzes com suas teorias raciais que imprimiam ao país uma imagem de sociedade degenerada devido à miscigenação, herança do sistema colonial que havia se desfeito há pouco.

Na falta de uma institucionalização de disciplinas acadêmicas, a literatura fazia o papel de compreender, descrever, entender, narrar cientificamente o Brasil a fim de produzir um imaginário nacional e criar um sentimento de pertença entre os brasileiros, que ainda não compartilhavam um sentimento de nacionalidade.

O paradoxo de Silvio Romero começa ao aceitar o postulado científico da supremacia branca, e ao mesmo tempo, defender a miscigenação como uma singularidade brasileira e que deveria ser, portanto, valorizada pelos escritores brasileiros.

O seu engajamento na busca pelo autêntico brasileiro limitou seu olhar crítico sob as obras literárias, onde buscava ler o Brasil a partir dos textos, preocupando-se menos ou quase nada com a estética e a poética de uma obra. Por esse motivo, teceu várias críticas às obras machadianas, por entender que estas não estavam engajadas nesse movimento de afirmação da brasilidade.

Outra contradição encontrada em Silvio Romero foi a sua utilização do determinismo racial (pseudo) científico para fazer brotar um vibrante nacionalismo, ao mesmo tempo, aceitava a teoria brasileira do branqueamento, destacando a importância da imigração, desde que esta fosse seletiva, ou seja, de povos que fossem suscetíveis à adaptação e assimilação da cultura já instaurada no Brasil e não o contrário. Este aspecto irá configurar o que se denominou “germanofobia”, em que Silvio Romero advertia sobre o risco de desmembramento do sul do país, devido a ocupação em massa por imigrantes alemães. Por outro lado, ao entender o momento histórico, podemos considerar que Silvio Romero propiciou avanços no que se refere à contribuição das culturas indígenas e africanas na formação de nossa essência enquanto brasileiros, bem como na reformulação do conceito de raça. No entanto, vale destacar que a ideia de contribuição da cultura africana, e também da indígena, mas sobretudo a primeira em que Silvio Romero elege como mais relevante do que a segunda, limita-se às práticas e desconsidera totalmente o pensamento.

Desde a criação dos Institutos Históricos, reconhece-se a importância de uma História na (con)formação de uma consciência nacional. Uma citação de John Henrik Clarke figura muito bem esse jogo de poder envolvido no contar e no interpretar a História: “A melhor maneira de controlar um povo é controlar o que ele pensa sobre si mesmo” (CLARKE, 1976, p. 5 apud NASCIMENTO, 2009, p. 61). A “fidelidade ao mundo real e a capacidade de esboçar os costumes, a cultura e os dramas históricos de ‘nossa gente” (SCHNEIDER, 2005, p. 37) cobrados por Silvio Romero, não deixava de lado o caráter subjetivo, em que está presente a seleção e a intenção de que tipo seria representado e defendido como o autêntico brasileiro. Nas palavras de Schwarcz (1993, p. 114), escrever a história constituía dessa forma um ato de garimpagem, de quem recolhe documentos assim como se procuram preciosidades. O ato de selecionar fatos supunha a mesma isenção encontrada naquele especialista que, ciente de seu ofício, separa as boas das más [...].

Com efeito, as obras literárias e a forma como a História Nacional foi forjada deixaram essa marca ao pensamento nacional, segundo o qual é confirmado “o antigo mito antiafricano de que o pensamento e a filosofia devem ficar para os brancos, enquanto os negros se restringem às artes, ao entretenimento e ao atletismo” (NASCIMENTO, 2009, p.139), evidenciado inclusive no meio acadêmico em que, apesar das políticas de ações afirmativas que instituem as cotas raciais, os debates e as ciências tem se curvado exclusivamente aos pensamentos ocidentais. Sem contar que, essas políticas de afirmação da cultura africana evidenciam um aspecto pouco ou nunca mencionado no escopo da História Nacional: a agência dos povos africanos.

Em contraponto à essa prática reinante de entender a experiência dos povos à luz de paradigmas ocidentais, em que a obra literária brasileira esteve fundamentada, temos a matriz africana da diáspora que oferece referenciais para a articulação de outros paradigmas. Um deles é o ideograma Sankofa, que ensina o conhecimento do passado como pedra fundamental da construção do futuro (NASCIMENTO, 2009, p.28).

Partindo desse pressuposto, conclui-se que a “pedra africana, como também a indígena, está faltando no tripé sobre a qual tentamos construir a identidade brasileira” (NASCIMENTO, 2009, p. 28)


REFERÊNCIAS


NASCIMENTO, Elisa Larkin (Org.). Afrocentricidade: uma abordagem epistemológica inovadora. São Paulo: Selo Negro, 2009. (Sankofa: matrizes africanas da Cultura Brasileira, 4).


SCHEINDER, Alberto Luiz. Sílvio Romero: hermeneuta do Brasil. São Paulo: Annablume, 2005.


SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.



Poliana Rezende

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação - UFPB